A questão da mobilidade está intimamente (tipo, “na cama com”), a questão da habitação e dos edifícios comerciais.
Embora seja fácil justificarmos o nosso estilo de vida baseado no e dependente do automóvel com um “não tenho escolha”, e realmente haver condicionantes reais às nossas opções de investimento (compramos ou arrendamos uma casa?, usamos os transportes públicos ou o automóvel?, andamos de mota ou de Smart ou de SUV?, compramos 1 ou 2 ou 3 carros?, para onde vamos viver?, em que escola pomos os nossos filhos?, etc), temos sempre escolhas. Podem não ser sempre fáceis, nem confortáveis, nem baratas, mas temos escolhas. E as alternativas que escolhemos traduzem a diferente valoração que fazemos de diferentes aspectos da nossa vida.
É legítimo podermos fazer as nossas opções, mas já não é legítimo estas serem feitas à custa das dos outros. Não é matemática e fisicamente possível ter cidades funcionais, competitivas, saudáveis, em que as pessoas se deslocam geralmente sozinhas em veículos preparados para transportar 5 pessoas mais bagagem.
Não é justo permitir que pessoas dentro de fatos especiais sobredimensionados, de uma tonelada de peso, que lhes permitem acelerar rapidamente e deslocar-se a alta velocidade, que as protegem em caso de impacto, e que as isolam do mundo exterior e as anonimizam, exerçam violência física e psicológica sobre quem não está com esse fato vestido (mas também sobre quem usa fatos iguais, e outros com fatos mais frágeis). E aquilo que se vê diariamente nas estradas e ruas urbanas é isso mesmo: violência física e psicológica, através de acções deliberadas ou de simples negligência. Que é depois enfatizada quando essas mesmas pessoas abandonam temporariamente os seus fatos armados no espaço público teoricamente adstrito às vítimas da sua violência. É uma corrida ao armamento, e quem não pode competir morre ou não sai de casa (o que é morrer também, mas mais devagar).
E de nada nos vale o Estado, a polícia ou a Justiça. A prevenção deste comportamento é um objectivo seguido só de boca, porque a acção é, no mínimo, frouxa. E a punição é inexistente, porque a Justiça não vê estigma em quem exerce violência deste modo, pelo que, passando por cima do direito das vítimas à justiça, e do direito do resto da sociedade a não ser vítima, tudo é perdoado. Negligência grosseira, com mortos, feridos e traumatizados, o bem-estar do utilizador do fato é sagrado. E o seu direito a continuar a usá-lo também. Esqueçam a violência doméstica, o bullying na escola e no emprego, isso ainda pode trazer consequências, usem o fato e tudo vos será desculpado.
Não sei como deputados, ministros, autarcas, polícias e afins conseguem dormir à noite com tanta desgraça às costas.
Andem devagar, mais sóbrios, e mais despertos, qualquer erro vosso ou de terceiros será muito mais facilmente tolerado pelo sistema. Não matem, nem firam, nem o façam a vocês próprios.
Andem mais vezes de chauffer (transportes públicos colectivos), andem mais vezes de bicicleta, andem mais vezes a pé (e manifestem-se!).
Está nas nossas mãos fazer a nossa parte para acabarmos com esta guerra civil camuflada de mobilidade & seus “acidentes”.