Éramos quase 200 nesta Massa Crítica, a comemorar 6 anos de presença em Lisboa, assinalados com uma Festa no final.
Às voltas no Marquês:
O batalhão:
Chegada às Portas do Sol:
Foi um momento especial, fizémos, vivemos, presenciámos a história a ser escrita. Foi uma sensação fantástica. Pensar que pela primeira vez, a maioria das caras são-nos totalmente desconhecidas. O movimento extravazou as fronteiras do activismo! 😀
No Jornal de Notícias foi publicado um artigo sobre esta MC.
Mais fotos e vídeos aqui. E aqui e aqui. Outro relato aqui, outro aqui e mais um aqui.
A MC é uma contradição em si mesma. Um paradoxo. Pretende celebrar o uso da bicicleta na cidade, dar-lhe visibilidade, dizer “nós existimos”, enfatizar que as bicicletas não atrapalham o trânsito, que as bicicletas são trânsito. É uma manifestação de força também, de uma certa forma, principalmente quando atinge números de participantes significativos (a partir de 50, por aí). Mas por outro lado, a MC, para funcionar, para ser realmente uma Massa Crítica, um bloco único e coeso de ciclistas, tem que infringir uma regra do CE e da cortesia na estrada. Falo dos semáforos e outras situações de cedência de passagem.
Quanto maior o grupo mais inevitável é que o grupo continue a passar, coeso, mesmo quando o sinal fica vermelho. Se não o fizer, haverão carros a introduzir-se no meio do grupo, acabando por fracturá-lo e afastar os sub-grupos entretanto formados. Isto diminui a segurança e a comunicação dentro da MC, e a sua visibilidade, e acaba por ser menos eficiente em termos de fluidez global do trânsito do que se o grupo seguir todo em pelotão. É neste contexto que se faz o “corking“, em que alguns elementos da MC se posicionam nos cruzamentos de modo a 1) barrar temporariamente a passagem aos veículos que querem atravessar ou entrar e que entretanto ficaram com o sinal verde, e 2) ao mesmo tempo explicar aos motoristas do que se trata e divulgar a MC. Para o corking ser eficaz é importante que o pelotão não se disperse ao passar pelo cruzamento semaforizado, que siga coeso, para não atrasar a passagem do grupo e demorar desnecessariamente as pessoas que aguardam essa mesma passagem, e para não enfraquecer a posição dos “corkers“.
As paragens nas passadeiras para peões, semaforizadas ou não, também podem introduzir buracos na MC e fragilizá-la, mas é uma situação mais fácil de gerir porque a comunicação entre ciclistas e peões é mais próxima, e o cruzamento dos dois fluxos é mais fácil e rápido.
Há dois princípios básicos na MC que raramente precisam de ser sacrificados: 1) não interferir com os transportes públicos (não circular no corredor BUS, não atrapalhar nas paragens, etc) e 2) não prejudicar os peões (não circular pelos passeios, ceder passagem sempre que possível, etc).
De resto, e dado o contexto da MC, muitos ciclistas e trânsito de hora-de-ponta, não há razão para haver problemas. O facto de circularmos em pelotão, com mais que uma fila de bicicletas em cada via, não constitui uma infracção, pela minha interpretação do CE.
O CE diz-nos que:
1) Numa faixa de rodagem em que sejam possíveis 2 ou mais filas de trânsito no mesmo sentido, devemos transitar pela via mais à direita. [Art. 14]
2) Se não houver lugar nessa via ou se quisermos ultrapassar (ou mudar de direcção), podemos usar outra via mais à esquerda. [Art. 14]
3) A ultrapassagem deve fazer-se pela esquerda e de forma a que dela não resulte perigo ou embaraço para o trânsito. [Art. 35 e 36]
4) Todo o condutor deve, sempre que não haja obstáculo que o impeça, facultar a ultrapassagem, desviando-se o mais possível para a direita e não aumentando a velocidade enquanto não for ultrapassado. [Art. 39]
5) Quando o volume de tráfego é tal que todas as vias de trânsito estão ocupadas e a velocidade de cada veículo está condicionada pela dos que o precedem, usar outra via além da mais à direita não é considerado ultrapassagem. [Art. 42]
Posto isto, haver 2 ou 3 filas de bicicletas a circular numa mesma via, em contexto de trânsito (de bicicletas e geral) intenso não me parece que se configure como uma infracção sob o Art. 90. Mas eu não sou jurista para poder dar algo mais que a minha opinião pessoal…
Bom, tudo isto para dizer que, atingi a maturidade como participante da MC. Aprendi a aceitar a contradição intrínseca que ela constitui. A MC são apenas 2 horas nas 730 horas de cada mês. Isso é 0.3 % do tempo. Atrasar os motoristas por 2 ou 5 minutos para nós não ficarmos separados num semáforo não é pedir nada de mais, especialmente à hora de ponta. Se aceitam como se fosse uma inevitabilidade a demora do trânsito devido aos congestionamentos causados pelos automóveis, podem perfeitamente aceitar essa demora pela passagem de bicicletas (por isso a sensibilização feita pelos corkers é essencial).
Antes preocupava-me porque este pequeno abuso poderia dar má imagem aos ciclistas, que já sofrem dela à partida. Hoje acho que a visibilidade que a MC dá aos ciclistas, e a oportunidade única que ela constitui para os ciclistas novatos experimentarem circular pelas estradas na cidade com uma sensação de segurança que não conseguem ter sozinhos, é mais importante que quaisquer outros efeitos colaterais menos positivos.
Quando este paradoxo deixar de ser tolerável é porque a MC já não será precisa, já não fará sentido.