Abriu hoje oficialmente um novo hipermercado em Oeiras, mais concretamente numa zona em Porto Salvo, entre o Casal da Choca, o Bairro dos Navegantes e Talaíde.
É a maior loja / posto de venda do Grupo retalhista “Os Mosqueteiros” em Portugal. Numa área bruta de 12.3 mil m2, há uma galeria comercial com 3 hipermercados: Intermarché, Bricomarché e Roady, e mais 10 outras lojas. Inclui ainda um parque de estacionamento para 650 automóveis. O investimento total foi de 20 milhões de euros, e diz-se criar 150 postos de trabalho.
Estes 150 novos empregos talvez cubram os que serão extintos no comércio de rua. Não culpo só os Mosqueteiros por isto, contudo. A culpa é dos próprios comerciantes, que muitas vezes param no tempo, não inovam, não se unem para melhorar as suas ruas e comunidades (e, logo, os seus negócios). A Rua do Comércio está tão atravancada de carros que há lojas que eu nem sabia que estavam ali porque estão tapadas pelos carros.
E a culpa é das Juntas de Freguesia e das Câmaras Municipais, que deixam o espaço público degradar-se, tornando o comércio de rua, local, pouco apelativo, ao mesmo tempo que permitem coisas como este novo hiper-hipermercado.
Talvez não haja 650 automóveis no Casal da Choca, ou em Talaíde, ou no Bairro dos Navegantes. Estas ruas locais, residenciais, já são usadas às horas de ponta como atalhos para fugir às artérias principais (Estrada de Talaíde/Estrada de Leião e Variante à Estrada Nacional 249), aumentando o ruído, a poluição e a insegurança de quem cá vive e de quem cá circula. Os miúdos que vivem no Bairro dos Navegantes vão a pé para a escola de Talaíde (onde eu também andei). Hoje em dia é uma estrada oficial, alcatroada. No meu tempo era uma cena tortuosa em terra batida, lama no Inverno. Continua sem ter um passeio, ou sequer berma alcatroada (fizeram um passeio arborizado a ligar o Bairro dos Navegantes à Rua Lopo Soares de Albergaria, a estrada cá em cima, para as pessoas chegarem à paragem dos autocarros, mas ficou por aí). Afinal, que se fodam os peões, que se fodam as crianças que não são levadas à escola de carro pelos pais que depois estacionam em cima dos passeios e passadeiras (debaixo do nariz da “Escola Segura”…) para que os seus filhos (flores de estufa que não sabem e não podem andar na rua) não corram riscos, afinal, a estrada, a rua, é perigosa, está cheia de pais das outras crianças.
Será que a Câmara Municipal de Oeiras também vai pagar um autocarro para servir este hiper, como faz com o Oeiras Parque?
Por onde circularão os 5000 ou mais automóveis (650 lugares, umas 14 horas diárias de funcionamento, uma estadia média de 2 horas…) que este hiper atrairá? Por onde circularão as carrinhas e camiões que alimentarão este centro comercial? Só há 2 vias: Casal da Choca e Porto Salvo, e Talaíde -> Cascais ou Talaíde -> Porto Salvo, Cacém ou Barcarena.
Ah, pois é, que se fodam as pessoas.
A zona do Casal da Choca e do Bairro Auto-Construção tem génese ilegal (depois regulamentada), e muitas das ruas não têm lugares de estacionamento definidos, e os passeios são estreitos.
A qualidade do piso é geralmente boa. Toda esta zona precisa de ser reordenada. Os passeios precisam de ser alargados, arranjados, arborizados/ajardinados (uns bancos aqui e ali, e uns bebedouros seriam úteis) e protegidos. Actualmente as pessoas estacionam total ou parcialmente em cima dos passeios existentes.
As paragens de autocarros precisam de ser tornadas mais people-friendly. Há que estudar as necessidades de estacionamento e acautelar as essenciais (cargas e descargas, estacionamento de curta duração junto ao comércio e afins, etc). A maior parte das casas – moradias – tem garagem. Pode é haver mais carros do que lugares na garagem… A CMO pode criar zonas de estacionamento nos espaços vagos para os carros excedentes, a um determinado preço. Depois há que ver o espaço que sobra e redefinir os sentidos de trânsito, dada a largura das ruas, para acautelar espaço de circulação pedonal decente muitas ruas teriam que ser tornadas de sentido único. Isto, a par da implementação de zonas 30 poderia servir também para tornar pouco apelativa a fuga ao trânsito por estas ruas interiores.
A Câmara ou a Junta podia financiar autocarros escolares para as crianças que vêm de mais longe, e promover os pedibus dentro da Freguesia (acabam por existir intrinsecamente no caso dos miúdos do Bairro dos Navegantes, dado o número dos mesmos e a proximidade do Bairro). Se têm dinheiro para financiar autocarros para levar as pessoas para o hipermercado, quando elas têm alternativa local, também têm dinheiro para financiar autocarros para levar as crianças para a escola – estas não têm alternativa “local”.
Claro que isto sou eu a sonhar.
No programa eleitoral do Isaltino Morais, que ganhou novamente a Câmara de Oeiras, na secção “mobilidade” há 11 tópicos relacionados com vias rodoviárias (1 dos quais ciclovias), e 3 relacionados com transportes públicos colectivos.
Na secção “estacionamento”, pretendem criar mais 7800 lugares de estacionamento automóvel para residentes. Não dizem se é pago ou não, e se pretendem servir as necessidades de estacionamento do 1º, 2º, 3º ou 4º automóveis de cada agregado familiar… Nem uma palavra sobre estacionamento de motos e bicicletas.
Ora vejam se também detectam aqui alguma esquizofrenia (os bolds são meus)
O congestionamento progressivo das vias que estabelecem as ligações regionais e que integram a Rede Supra Concelhia (vias de elevada capacidade de transporte), a Auto-Estrada A5, a Marginal, a E.N.117, o I.C.17–CRIL e pelo I.C. 19, empurra os utilizadores do transporte individual para procurarem soluções alternativas de fluidez, através da Rede Viária Municipal, que atenuem esses estrangulamentos.
As soluções para a melhoria da mobilidade devem, pois, centrar-se em dois domínios estratégicos: a melhoria das acessibilidades no sistema viário e a criação de uma rede eficaz de transportes colectivos.
Oeiras apresenta-se hoje como um território de características eminentemente urbanas, podendo verificar-se a existência dos denominados períodos de ponta da manhã e da tarde, devidamente confinados, que se traduzem numa maior afluência de tráfego rodoviário e em alguns casos atrasos no atravessamento das intersecções.
Estas deslocações, centradas no transporte individual, têm custos sociais e ambientais significativos e, para além de se transformarem numa fonte de ineficiência na afectação de recursos e perdas de tempo, são uma fonte de degradação ambiental.
Esta redução de eficiência tem por base não só os volumes de tráfego nos períodos de ponta, na rede interna dos aglomerados e na rede regional, mas também o desempenho das próprias intersecções em alguns casos desajustadas.
A eliminação ou a atenuação dos estrangulamentos viários favorece a afectação de recursos mas não é, por si só, uma medida que faça diminuir os impactos ambientais.
Os objectivos que a este nível se alcançarão procuram uma opção combinada que terá necessariamente que se traduzir em novas soluções de reordenamento, de modo a capacitarem a rede viária para a absorção do tráfego gerado e, sobretudo, a aposta mais forte, centrar-se-á na construção de uma rede de transportes colectivos em sítio próprio, devidamente hierarquizada e que abranja todo o Concelho, de forma a garantir um melhor serviço, sobretudo ao nível das velocidades de circulação, tornando o Transporte Colectivo mais competitivo relativamente ao Transporte Individual.
Engraçado, reconhecem o impacto ambiental e a ineficiência associados ao transporte em automóvel, e a necessidade de apostar no transporte público colectivo. Mas depois afirmam que a solução está em ajustar a rede viária ao tráfego gerado, isto é, à procura (muita gente a andar de carro), pelo que há que alargar estradas e nós, e construir mais estradas, ignorando totalmente o paradoxo de Jevons, algo que podemos ver todos os dias: a Estrada de Leião, que atravessa Porto Salvo, está quase ao mesmo nível de congestionamento à hora de ponta que estava antes da construção da variante, pelo que agora continuamos sem poder sair de casa, mas temos menos dinheiro público (gasto na variante), mais barulho, mais poluição, etc, etc.
Por outro lado, defendem a melhoria dos transportes públicos colectivos, e pretendem apostar em modos com canais próprios (ex.: comboios, eléctricos, etc) para melhorar a velocidade comercial dos mesmos e, assim, torná-los competitivos com o automóvel. O mesmo automóvel cuja expansão em número de utilizadores e velocidade de circulação eles pretendem promover com tanta obra rodoviária. Parecem achar que melhorar a eficiência do sistema NÃO vai induzir mais utilizadores na rede rodoviária, mas que no caso dos transportes públicos um aumento de eficiência já tem esse poder de atrair mais utilizadores. Esquecem-se que se aumentam a eficiência dos dois concorrentes, fica tudo na mesma. É caso para pensar, então se mais estradas não vão aumentar o número de carros e até vão melhorar a experiência dos que já lá andam, quem irá utilizar os novos transportes públicos? Pela lógica, os novos aderentes aos TP seriam pessoas que antes andariam de carro e que se viraram para os TP porque estes oferecem melhor serviço, o curso natural das coisas se não se tentasse melhorar a eficiência da rede rodoviária e deixasse o caos seguir o seu caminho, quem sabe até dar alguma ajuda (e observando depois o efeito da Evaporação de Tráfego). Mas dado que não é o caso, como é que o TP em canal próprio, que implica investimentos avultados e pouca ou nenhuma flexibilidade no ajuste das rotas, numa zona suburbana (pouco densa), será competitivo com o automóvel, em que o condutor tem toda a liberdade e flexibilidade de ajustar os seus percursos e horários, e a rede viária é continuamente expandida para tentar oferecer-lhe velocidades de circulação inalteradas pelo crescente congestionamento/utilização automóvel?… Como é que as pessoas chegam ao TP em canal próprio? A pé? De bicicleta? De autocarro? Ou de carro?…
Há uns tempos que ando a resmungar que devia fazer alguma coisa, tinha umas ideias para pôr Porto Salvo (and beyond) no mapa do activismo e participação cívica, para mostrar alternativas, apontar problemas e sugerir soluções. Queria tornar Porto Salvo um sítio mais vivo, mais verde, mais amigo das pessoas, mais próspero e interessante. Depois lembro-me que não tenho tempo. Já tenho outros projectos adormecidos e como é que quero meter-me em mais um? E depois ponho-me a fazer estas coisas quando devia estar a trabalhar para ganhar a vida, ou então a descansar e a vivê-la, em vez de estar feita parva a tentar salvar um mundo que parece que não quer ser salvo.
*sigh*
Queria ganhar o Euromilhões, assim já podia trabalhar nestas coisas que ninguém paga, sem ter que me preocupar com de onde virá o dinheiro para viver. Mas não, geralmente isso sai a pessoas que querem essencialmente comprar casas, carros, e passar a vida de férias. 😛
Engraçado que, muitas vezes queixo-me de viver aqui no meio do nada, nem dá vontade de sair para ir à mercearia, etc, é tudo “longe”. E agora plantam-me um mega-hipermercado ao lado. Posso ir de bicicleta que nem há quase subidas (hell, I could walk there, com um trolley de compras e tal), mas não sei porquê duvido que haja estacionamento para bicicletas…
Well, let the hell begin…