Os peões estão no fundo da cadeia alimentar da acessibilidade e da mobilidade em Portugal. E destes, só os mais aptos se safam. Os mais fracos, debilitados, ou limitados na sua mobilidade e agilidade são quase virtualmente excluídos by design dos nossos espaços públicos. E isto é tido como normal, aceitável, or just the way things are. Well, «Just because it is, doesn’t mean it should be.» Ou não viram o Australia? 🙂
Não é justo nem ético impedir as outras pessoas de poderem viver uma vida normal, de poderem sair e circular pelas ruas, de acederem aos sítios que precisam ou a que querem aceder. E mesmo que não as impeçamos de o fazer, não é justo nem ético dificultar-lhes a tarefa, torná-la mais morosa, mais perigosa, mais desconfortável ou desnecessariamente mais onerosa.
Não é uma estratégia inteligente por parte da sociedade como um todo excluir elementos da sua população da vida pública, não é inteligente abdicar de uma parte da força de trabalho disponível, de uma parte do mercado, em termos de oferta e de procura de serviços.
É um crime social e económico negar às crianças o direito à rua como espaço de convívio, encontro, descoberta, brincadeira, desenvolvimento, aprendizagem, e negar-lhes a possibilidade de alguma autonomia na mobilidade quotidiana.
Há vários problemas nas nossas cidades, no geral. As redes e vias pedonais são negligenciadas na forma, coerência, consistência, continuidade, eficiência, segurança, conforto, universalidade do desenho, etc. Os acessos dos edifícios de serviços públicos e privados sofrem muitas vezes dos mesmos problemas. E depois há o problema das pessoas inutilizarem o pouco que existe, impedindo ou dificultando o acesso aos ou o uso dos passeios e de outros acessos. Uma mentalidade de desrespeito transversal a toda a sociedade, pois passa pelos comerciantes, pelas Câmaras Municpais, pelo Governo e pelos cidadãos individuais, com mobiliário urbano, publicidade, esplanadas, etc, nos passeios e, claro, os automóveis e motas estacionados…
Claro que numa cidade onde é tão desagradável, desconfortável, perigoso e moroso deslocarmo-nos a pé, a tendência é começar a depender do carro para todas as deslocações, por menores que sejam, e procurar que sejam praticamente porta-a-porta. O que só piora o problema original…
Como mudar isto? Temos aqui um problema essencialmente de vontade política, ancorado numa cultura onde não se questiona isto, as pessoas tendem a ser os infractores ou a identificarem-se com eles.
E é aqui que entram as tácticas de guerrilha nas acções dos cidadãos, uma vez que os políticos e as autoridades são inoperantes e coniventes. São os cidadãos que têm que começar a impôr-se, a chamar a atenção, a fazer “peer pressure“, a queixar-se, a indignar-se, a agir. Em vez de se calarem, de não reagirem, de serem coniventes, e de fazerem o mesmo.
Recentemente tem sido bastante divulgada nos media tradicionais (imprensa, rádio e TV) e na blogosfera uma iniciativa de cidadãos que dá pelo nome de “Passeio Livre“. Isto levou as iniciativas individuais de várias pessoas a título pessoal, de deixar recados no pára-brisas de carros mal-estacionados, a um nível superior.
A ideia consiste em colar no vidro lateral dos carros estacionados em cima dos passeios, à esquerda do condutor, um autocolante com uma mensagem de sensibilização. Paralelamente, o autocolante serve como um “selo” de mau comportamento, que “marca” o infractor, e a característica autocolante desse “selo” funciona como uma punição ligeira desse comportamento.
Com contribuições pessoais do grupo original foram impressos 15 mil autocolantes, que são agora enviados a quem os solicite (o envio vai à cobrança, mas os autocolantes são distribuídos gratuitamente, embora as doações sejam bem-vindas). Ou seja, o movimento alastrou-se rapidamente, e qualquer pessoa que faça uso de um desses autocolantes passa a ser parte desse movimento.
Parte da “campanha” passa pelo blog Quero andar a pé! Posso?, onde são publicados muitos dos contributos enviados para o e-mail da mesma: peão . exaltado @ gmail . com, as fotos de denúncia, os parabéns, os protestos, as queixas, etc. Depois cria-se algum debate nas caixas de comentários, o que é justamente o que é pretendido: discutir, enfrentar as questões, em vez de a ignorar como se fosse invisível, inevitável ou inócua.
A iniciativa inspirou-se numa de um grupo grego, os Street Panthers (versão traduzida automaticamente pelo Google, aqui).
Uma iniciativa parecida no Brasil é a do site Sou otário, eu paro na faixa.
Por cá havia já antes pelo menos um blog que se focava na parte de denúncia, não aplicava autocolantes, Wheels versus Legs, uma versão específica para passeios do do estilo I park like an idiot, parece.
Outra iniciativa local, sem a vertente de comunicação e debate do Passeio Livre, e com uma tónica óbvia no embaraço social e na “peer pressure” são os papéis do QUE SE FODAM OS PEÕES!. A ideia é legendar as obscenidades que os condutores de automóveis (e não só) dizem (fazem!) aos (outros) peões através das suas acções, nomeadamente nas opções de estacionamento.
Ideias vão aparecendo, pelos vistos, é preciso é pegar nelas e agir! 🙂
O “Wheels versus legs” não se baseia apenas na denuncia.
Em simultaneo com o fazer das fotografias, é deixado um pequeno papel no limpa vidros, onde consta:
“E se procurar na Net, mais cedo ou mais tarde lá encontrará o seu carro!”.
E assim acontece, pois ao serem colocadas na web as fotografias, o título do post é a matricula, ficando assim referenciado para qualquer motor de busca.
Para alimentar este blog não é feita nenhum,a busca exaustiva por ruas e praças: são apenas retratadas as situações que obrigam o autor a desviar-se para a faixa de rodagem.E, em boa verdade, a colocar a sua vida em risco.
Olá JC, obrigada pela achega. 🙂