Há uns anos vi num filme uma frase que “resonated“, não me lembro de alguma vez ter lido ou ouvido alguém verbalizar aquela ideia antes, ou pelo menos aquilo que “ficou” para mim e que identifiquei com a minha própria perspectiva do mundo e da vida:
We must not expect happiness, Sayuri. It is not something we deserve. When life goes well, it is a sudden gift; it cannot last forever…
Eu vivo num mundo àparte da imensa maioria dos outros seres humanos (e animais). O fosso é ainda maior se me comparar com outras mulheres.
Inventámos para nós próprios “Direitos Humanos Universais” que só nós podemos fazer valer e respeitar. Um direito básico muito alardeado é o direito à habitação (fui checkar, e não está na Declaração, como faz sentido).
Mas o normal, o natural é nascer sem direitos nenhuns. A esperar quando nascemos é uma luta constante pela sobrevivência. O expectável e normal é sofrer. É não saber o que vamos comer amanhã. É não termos uma casa, um abrigo sólido, acolhedor e seguro. É não irmos à escola, é trabalharmos a terra se tivermos a sorte de a ter e desta ser fértil. É ter doenças e não ter médico, nem medicamentos, nem hospitais. É morrer de subnutrição ou de doenças evitáveis ou tratáveis. É ter a nossa qualidade de vida diminuída por maleitas corriqueiras ou doenças crónicas. É nascer deficiente e ser deixado à nossa sorte. É ficar estropiado em guerras e acidentes. É ter filhos atrás de filhos e vê-los morrer, sofrer e levar a mesma vida que nós. O natural é vivermos para trabalhar e trabalharmos para viver. É não termos “tempos livres”, nem férias. É nunca sair do lugar onde nascemos. É não conhecer o mundo além da nossa aldeia. O normal é ser abusado. É ser violado. Expectável é ter uma doença fodida que nos mate deixando-nos vivos ou que doa e finalmente nos mate. O previsto é vermos quem amamos sofrer, é perder as pessoas de quem gostamos. O normal é estarmos sós, abandonados, não amados, desprotegidos, desesperados. O normal é a violência, a agressão, o desamor, o desrespeito, a discriminação negativa, o desprezo. O natural é o sofrimento, a infelicidade, o trabalho duro e constante. O normal é a destruição.
Por isso é tão importante apercebermo-nos e desfrutarmos de todas as pequenas e grandes coisas que na vida não são o natural, o normal, o expectável. A abundância, o amor, o conforto, a bondade, a sorte, a saúde, a liberdade, a criação, a felicidade. 🙂 Quanto mais disto beneficiamos mais devemos aos outros.
Partilho contigo o “cerne” da ideia, e revejo-me nesta frase de Carlos Drummond de Andrade que é um mote da minha vivência desde há algum tempo:
“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no
amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada
arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.”
beijinho
Lindo. 🙂 Obrigada.