No passado dia 12 de Maio fui fazer umas coisas a Lisboa. E fui de bicicleta, conjugando-a com o comboio da linha de Cascais entre Paço de Arcos e o Cais do Sodré. Só possível a partir das 10h, claro.
Almocei na Baixa com um amigo, após uma reunião de trabalho, depois segui para o Rossio, queria ir comprar umas cenas old school na Brás & Brás. Só que cheguei lá e deparei-me com um problema: obviamente que não havia bike racks, mas a questão é que não havia uma única peça de mobiliário urbano naquela ruela pedonal onde eu pudesse prender a bicicleta por uns minutos… Resultado, a loja perdeu uma cliente.
Voltei para baixo, decidi dar um pulo à FNAC no Chiado. Cheguei lá pela rua de baixo, na entrada da SportZone. Por acaso já não me lembro se nesse dia também havia lá alguma, mas é comum verem-se uma ou duas bicicletas estacionadas como dá naquela zona. Como não queria deixar a bicicleta presa a um sinal de trânsito e a empatar as pessoas no passeio, tentei ver a minha sorte no parque de estacionamento subterrâneo ali ao lado. Já antes tinha feito isso, com aceitável sucesso, dadas as condições, no Picoas Plaza, uns dois meses antes.
Os dois funcionários primeiro hesitaram, depois acordaram em eu deixar algures, mas tirando um ticket, mas depois lá me deram uma borla, também porque como o sistema marcava “lotado” a máquina não emitia mais tickets. Também havia um bocado de “good cop and bad cop”, mas os senhores foram bastante prestáveis, e resolveram o meu problema o melhor possível, dadas as circunstâncias (as regras não lhes permitiam fazer aquilo, supostamente, e não havia nenhuma área que estivesse preparada de algum modo para receber e prender bicicletas, à borlix ou a pagar). Lá deixei a bina presa a um rail, atrás de uns carros. Coloquei-a do lado de fora e não do lado de dentro, como o funcionário me indicou, porque tive receio que alguém a tirar ou a pôr o carro me batesse na bicicleta, quer inadvertidamente quer apenas por maldade. Pus os cadeados todos, tirei os meus pertences, desmontei o ciclo-computador e a luz da frente, e lá fui eu à minha vida. 🙂 Tive que andar carregada com o portátil e umas papeladas, mas felizmente era o Mac do Bruno e não o meu “tijolo”, ou precisaria de uma mala com rodinhas. 😛
Praí uma hora e tal depois voltei, a minha bicicleta ainda lá estava, sã e salva. Arrumei as minhas coisas, agradeci aos senhores na recepção, e bazei (ou será basei? 😛 ). Subi, seguindo para o CIUL, no Picoas Plaza, onde estive entretetida com trabalho. A solução para o estacionamento da bicicleta foi o mesmo da última vez, pedir encarecidamente ao segurança na recepção do parque de estacionamento subterrâneo. Voltou a funcionar muito bem. 🙂
Enquanto lá estava vi as preparações para a segunda reportagem da SIC sobre o projecto “100 dias de bicicleta em Lisboa”, do Paulo Guerra Santos. Confesso que conjuguei os meus afazeres em Lx para aquele dia porque sabia da reportagem, nomeadamente, estava a contar aproveitar-me dos estacionamentos para bicicletas que o Paulo tinha anunciado que iriam ser disponibilizados naquele dia. Pensei, “perfeito, assim posso ir trabalhar para o CIUL e deixar a bike debaixo de vista estacionada na praça central daquele edifício”. O que eu não sabia era que a excepção que a administração do Picoas Plaza abriu naquele dia não significava que haveria os tais estacionamentos todo o dia, eram mesmo só “para a fotografia” durante a reportagem para receber os ciclistas apoiantes do projecto, pelo que só apareceram pouco antes da hora marcada para a dita reportagem.
Quando lá cheguei, subi com a bicicleta a rampa para a praça e olhei em volta. Como não vi bike racks nenhumas perguntei à florista que lá estava. Ela também não sabia de nada, estava a dar-lhe uma novidade. Eu expliquei aquilo que sabia, que normalmente a administração proíbe a entrada com bicicletas mas naquele dia abriam uma excepção por causa de uma reportagem, e que iam instalar uns suportes e tal. Ela disse que “sim, sim, os seguranças não deixam ninguém levar para ali bicicletas [eheheh, mas eu já levei umas quantas vezes a minha Mobiky sem problemas, vivam as dobráveis! 🙂 ], muitas vezes, chegam ali grupos de ciclistas vindos de algum passeio, ao fim-de-semana, e os seguranças vêm logo a correr a dizer-lhes que não podem entrar”. Vejam só a [falta de] visão estratégica comercial destes tipos… tsc tsc… Enfim, saloismos por vencer. Posto este cenário decepcionante, lá fui recambiada para o parque “dos carros”.
Curiosamente, no interior do centro comercial, onde depois lanchei, tinha junto à zona a caminho dos WCs duas imagens publicitárias onde a bicicleta fazia parte do cenário, e numa óptica positiva:
A segunda é num contexto desportivo, mas a primeira retrata uma situação de utilização da bicicleta como meio de transporte, como quem vai encontrar-se com uns amigos para tomar uma bebida numa esplanada ao sol… 😉
Quando me fui embora do CIUL, o pessoal do Paulo ainda lá estava no átrio do Picoas Plaza. Passei por lá ao descer para tirar umas fotos e tal, e dizer um olá ao Paulo, o único rosto que reconheci. Tirei umas fotos aos suportes, infelizmente uns wheel-benders, e troquei umas palavras com o Paulo.
Infelizmente, e como pude concluir ao longo dos seus posts e comentários no seu blog durante os 100 dias do projecto, bem como em conversas e nos media, discordamos em vários e fulcrais pontos. A cena dos suportes para bicicletas, que despoletou alguma polémica no seu blog, o advogar ciclovias e circulação de bicicletas no passeio como uma solução a instituir, a hierarquia de prioridades para tornar “lisboa mais ciclável”, a mentalidade do coitadinho do ciclista que já vai com sorte se tiver uns wheel-benderzitos e um espacinho de faixa ciclável na berma da estrada, etc, etc. Posto isto (my view on this issues and therefore, our disagreement), não sei se neste caso da promoção do uso da bicicleta e da imagem e direitos dos ciclistas se aplique aquela máxima do «There is no such thing as bad publicity (…).», espero que sim, embora tema as consequências desta bola de neve de fashionablization da bicicleta e das ciclovias que se vem colando simultaneamente à psicose colectiva em curso com a segurança (ou sensação de segurança…), e onde isto vai dar em termos de direitos dos ciclistas. É que noutros países os ciclistas podem escolher por onde andam, se as “vias para ciclistas” que os engenheiros municipais se lembram de fazer forem uma merda ou down right dangerous, nós podemos fazer como sempre e usar a estrada se não estivermos a falar de uma 2ª Circular or something. Cá não, se houver uma ciclovia (algo que, pelo que sei, carece de regulamentação a nível de parametrização/padronização em termos de implementação técnica), nós somos obrigados a usá-la, assim dita o nosso Código da Estrada. Não é uma “pista reservada a velocípedes”, é uma pista OBRIGATÓRIA para ciclistas.
Epá, que o pessoal queira começar pelo fim, ok, que gastem dinheiro que não têm para coisas infinitamente mais importantes, ok, agora não me venham é pisar os calos, e com isso refiro-me a obrigarem-me a andar na rua com uma armadura em material reflector e a obrigarem-me a usar as ciclovias que eles salpicam aqui e ali, sem interligação umas com as outras e com os locais onde quero ir, e sem nenhum tipo de coerência na construção e implementação de concelho para concelho… já para não falar quando são perigosas, sujas, obstruídas ou simplesmente populadas por peões.
Bom, já me estou a dispersar do meu post a la “querido diário”. 😛 Posts mais sérios terão que ficar para outro dia, que já esgotei o meu tempo de descompressão bloguística de hoje. 😉
Após as fotos e o olá voltei ao parque subterrâneo, onde encontrei a minha bicicleta como a deixei. Agradeci mais uma vez ao funcionário na recepção e fui-me embora, a pedalar até ao Cais do Sodré, onde depois apanhei o comboio de novo (só possível a partir das 20h), até Paço de Arcos, terminando depois o meu dia com mais uns 15 minutos a pedalar até casa. 🙂 Assim, no lusco-fusco, com uma brisa fresca e já fora da hora-de-ponta. Bliss.
eu deixei a minha pasteleira no patio do picoas plaza ha uma ou duas semanas…
Pois, deves ter usado os suportes que o patrocinador do Paulo forneceu ao Picoas Plaza. Eles passaram a autorizar as bicicletas ali há uns tempos, após a reportagem da SIC.
Pois com relatos assim, dá mesmo vontade de pegar na bina 🙂 Gosto muito de ler o teu blog, continua em frente! 🙂
Olá Sérgio,
Obrigada, a minha intenção é mesmo essa, partilhar as minhas experiências e ajudar a desmistificar o uso da bicicleta como meio de transporte utilitário. 🙂
Eu também gosto muito de ler, mas… Ao ler a primeira linha, fica de imediato eliminada toda a lógica restante. “Fazer umas coisas”, e apenas depois das 10H, significa uma raridade.
A maioria da população activa é suposto cumprir com longos horários diários semanais de trabalho de 8 horas, presumivelmente entre as 9h e as 6h, genericamente. Donde por aqui neste relato se conclui o uso da bicicleta como hobby para “encher” o dia, dando a ilusão de muita actividade, visto pouca exigência de horários prolongados haver para cumprir.
A trabalheira e confusão de prende ou não prende, pede para estacionar por favor ou não, desmonta acessórios ou não, gera tal preocupação e confusão, que uma pessoa se interroga se não seria efectivamente mais fácil ser uma pessoa normal, e ir apenas a pé, de transportes, sem a confusão de arrastar a bicla atrás…
Portanto, e resumindo, houve uma reunião de trabalho ao fim da manhã, passeios e compras, e um bocado de trabalho de tarde, mas o regresso a casa dá-se depois das 20h. Felizmente não chovia, não é Inverno, não era noite cerrada, não havia filhos para tratar, nem família a alimentar, nem patrões a controlar: para uma vida alternativa, realmente pode-se usar um transporte/hobby alternativo: a bicicleta.
Bicicleta é bom como opção pessoal em casos raros, mas como doutrina generalista, parece-me muito desajustada.
Gosto sempre de ler, e desculpe ter reagido, mas foi demais para mim. Cumprimentos do MBrito
Olá Miguel,
Não ficou explícito, mas esta minha volta foi feita no meu dia de pseudo-folga. 😉 Um dia light, com algumas tarefas profissionais mas bastante liberdade de movimentos e horários. 🙂
Eu acredito que a bicicleta pode ter um papel basilar nas nossas vilas e cidades, ser o centro de uma mobilidade multimodal. Obviamente que não acho que o seu uso faça sentido para absolutamente toda a gente em todas as situações (a começar por mim). Mas faz em muitas. E gosto de ir procurando fazer as minhas pequenas contribuições para que o número de situações e de pessoas nas e para as quais a bicicleta faz sentido continue a aumentar. Porque essas condições significarão melhorias na qualidade de vida das pessoas em aspectos diversos como a qualidade do ambiente, a vida colectiva, a coesão social, a economia, a cidadania, as condições para as famílias e para as crianças e para os idosos, e para os doentes e para os deficientes.
Era mais fácil ter ido para Lx de carro, ou mesmo de carro + TP e um pouco de andar a pé (ou simplesmente não ter ido). Mas não poderia incluir no meu dia algo que me dá muito prazer: andar de bicicleta. 🙂 E ficar-me-ia mais caro, cansar-me-ia mais (sofro de “pernas pesadas”, pelo que a bicicleta me ajuda muito nesse aspecto), e talvez até demorasse mais tempo. Além disso não teria tido mais uma experiência de utilização da bicicleta em Lisboa, em primeira mão, não teria obrigado aqueles funcionários a “aknowledge” a existência de ciclistas na cidade e as necessidades de locais de estacionamento que os mesmo sentem, teria sido menos uma pessoa vista a usar a bicicleta na cidade, não tendo assim feito absolutamente nada para contribuir para a evolução cultural em direcção a cidades à escala humana. Não sou pessoa de grandes activismos, por várias razões, algumas comuns a muita gente – falta de tempo, falta de energia, falta de ideias, perfil pouco dado a “grandes cenas”,… etc. É com pequenas coisas que incluo na minha vida quotidiana e nas ocasiões menos rotineiras que imprimo o meu “activismo”, pois o custo marginal dilui-se quando incorporado em coisas que já tínhamos que fazer de qualquer maneira, e este dia e as minhas pequenas “atribulações” enquadram-se nessa política.
Obrigada por “reagir” e por ir lendo as minhas divagações. 🙂
Boas.
Revejo-me em muitas coisas que diz neste post e queria dar 5 estrelas a este post e ao seu blog!
Desde o horário de excepção da utilização da bicicleta nos comboios da CP, ao desespero em encontrar locais de estacionamento úteis e capazes, à crítica do ciclista ser o elo mais fraco, ter que parecer uma àrvore de natal e obrigado a circular em vias separadas, à crítica das prioridades na promoção da utilização da bicicleta que parece passar sempre pela criação de novas e caras infra estruturas em vez de circularem onde elas são permitidas!!
E depois, tem uma xtracycle o que me põe a ferver de inveja ;o) (é um espectáculo não é?).
Gostava de dar uma palavra a Miguel Brito que parece estar a precisar de uma “mãozinha” para poder ultrapassar as dificuldades iniciais e começar a pedalar quotidianamente: Eu tenho um horário fixo, tenho filhos e muitos afazeres. Uso a bicicleta diariamente e adivinhem..é possível! Não foi de um dia para o outro, é preciso alterar modus operandi, manias, hábitos, repensar muita coisa e não é de um dia para outro.
Alguma dúvida é só apitar!
Abraço
Gonçalo Pais
Olá Gonçalo,
Desculpe o lag, tenho andado demasiado atarantada com trabalho nos últimos tempos e não tenho tido muito tempo seja para o que for que não seja trabalho. :-/
Já vi o seu blog e já faz parte dos meus feeds, uma vez que fala de muitas das coisas que vejo e não tenho tempo ou disponibilidade mental para falar nos meus próprios blogs. 😉
Quando as coisas entrarem em velocidade de cruseiro aqui para os meus lados ainda lhe digo qualquer coisa por causa das suas ideias de criar uma associação para montar uma oficina de bicicletas comunitária. 😉
épá…fico à espera!
Gostei dos relatos e do blog pois não têm papas na língua..! (Anabanana és uma ganda maluca).
Antes de mais o meu nome é Hugo van Zeller um dos presentes no evento do Picoas Plaza organizado pelo Paulo G Santos em Maio 08 (100 dias de bicicleta em Lisboa).
Depois de ler alguns comentários gostaria apenas de reforçar aos que ainda têm dúvidas sobre usar a bicla como meio de transporte diário na cidade que é absolutamente possível, viável e vantajoso.
No meu caso não tive que fazer grandes adaptações: apenas comecei a usá-la de um dia para o outro (Janeiro 08). E a minha vida simplesmente mudou para melhor.
Também venho de fora de Lisboa, de Carcavelos, e vou para o Saldanha onde trabalho com um horário fixo como tanta gente. Tenho uma Dahon dobrável por isso nunca tive problemas com a CP.
Ganho qualidade de vida à ida e à vinda do trabalho pois não fico preso dentro de um carro e venho a desfrutar do passeio. E curiosamente chego sempre antes e a horas.
Não dá “trabalheira” nenhuma senão vejamos: lugar de estacionamento não é propriamente um problema, manutenção quase inexistente, combustível (?) pois…não precisa, tenho alforges laterais até vou às compras antes de ir para casa; E tal como disse nesse dia na reportagem da SIC poupo na carteira, no ambiente, tenho ginásio gratuito todos os dias e divirto-me à brava. Acho que não sou um caso raro…apenas muito mais feliz.
Abraços para todos e abram a pestana…
Hugo van Zeller
hugovanzeller@gmail.com
933 135 445
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