Depois de ver várias conferências do 23º encontro da Chaos Computer Club, fiquei com um conjunto delas para ver quando tivesse oportunidade. Com todas, como não me dei ao trabalho de ver as sinopses de cada conferência, acabei por ter várias agradáveis surpresas.
Isto sucedeu porque pelo título, é na maior parte das vezes difícil de deduzir quer o assunto específico tratado (na sua totalidade), quer a destreza do conferencista com os slides e as palavras.
Segui desde o início os vídeos por uma ordem mais ou menos aleatória. Fui deduzindo o possível interesse que eu poderia ter em cada conferência pelo título (se indicava o tema), e depois pelos minutos iniciais do vídeo.
Passei algumas conferências à frente por não ver afinal particular interesse nelas, ou/e porque o conferencista não o criou com a sua retórica. Noutras situações, títulos que à partida não diziam nada de especial abriram caminho para conferências interessantes e oradores dotados. 🙂
No grupo final ficou uma conferência com o nome “Podjournalism“, que entretanto vi.
Comecei a ver a conferência para tentar perceber qual era ao certo a ideia base desta, e achei imensa piada ao saber o nome (ora bem o handle, o nome é Mark Rendeiro) do conferencista, BicycleMark, que referido por ele se prende ao gosto por bicicletas. Referiu então que era Português, o que até ao momento eu não diria, pois não tinha ainda notado algum sotaque, até porque inglês é a sua língua nativa. BicycleMark mora em Amesterdão (sortudo, anda de bike para todo o lado!), bloga, vloga, podcasta. Pode ser vista mais informação sobre o seu trabalho e sobre o rol de coisas que faz no seu blog.
Eu gostei da conferência, a ideia passou, pelo menos para mim. Notei que por ser aparentemente desconhecido da plateia(facto que ele próprio referiu) lhe possa ter causado algum nervosismo, bastante pareceu-me, mas quem não estaria a tremer por todos os lados a falar numa CCC?
No final notei que não terá ficado contente com a forma como terá corrido a conferência. A já pouca confiança que teria com a aparente pouca receptividade do público, terá caído totalmente por terra no final dado que a única intervenção possível no inexistente período para P&R foi negativa, quase como que pondo em causa todo o movimento que Mark vinha a referir até ao momento.
Mark teve uma abordagem alegre do tema que foi apresentar, o jornalismo na era da Web participativa. Baseando-se na ideia da mudança de paradigma do jornalismo com a explosão do acesso à Internet, a crescente largura de banda disponível, o nascimento dos podcasts/videocasts.
Infelizmente não me pareceu que a personalidade que apresentou em palco tenha sido bem recebida, muitas das piadas não sortiram efeito, não sei se pelo tema ter para o público um peso mais sério que não encaixava naquela abordagem (facto referido pelo único interveniente final), se por alguma questão cultural em que as piadas não fizessem sentido.
Revi na apresentação muitas das ideias pessoais que tinha sobre os media actuais, quer sobre o facto de já não existir jornalismo de investigação (ou muito pouco), como sobre a notória pobreza das notícias, quer sobre o facto de os jornais, revistas, estações de TV serem todos de poucas empresas, o sponsoring que contamina a independência da informação, etc. Acho que isto é um panorama que encaixa perfeitamente no nosso país.
Falou de casos em que o trabalho de reportagem feito por leigos em jornalismo, “meros” bloggers, podcasters (como retratados pelos media para reduzir o seu trabalho, face ao trabalho de jornalistas formados), levou até à mudança de leis.
Não conhecia o trabalho do Mark, e pelo que pude ler do seu blog, ele tem feito uma cobertura extensa sobre o várias questões do panorama americano (actualmente sobre as zonas afectados pela inacção dos organismos governamentais face ao Katrina), o que poderá não interessar a toda a gente, mas que mostra de uma forma inequívoca como se pode fazer jornalismo sem se ser jornalista, por muito que isso doa a muita gente. Afinal de contas por cá basta ver por exemplo um telejornal, cópia quase directa nos 3 canais principais (mudar de canal a meio de um dos telejornais resulta em vários momentos de dejavu), nada que eles tenham investigado, notícias pouco independentes, com falhas de informação, pouco isentas, sei lá. Se isso é jornalismo, então o blogging/podcasting com opinião (que é a questão levantada quando alguém fala em jornalismo dos bloggers) também tem disso. Mas tem mais coisas além disso, que o jornalismo clássico perdeu ou está a perder, como a qualidade da informação, a investigação no terreno, e até mesmo isenção (mais uma vez a questão para não equiparar certo blogging a jornalismo) porque mesmo que se forneça informação de forma isenta, tem-se sempre uma opinião, que pode ou não influenciar a informação.
Cabe ao leitor/ouvinte/espectador saber filtrar, escolher a informação e tirar as suas conclusões, porque a escolha é grande e os pontos de vista são diversos. O jornalismo “normal” não, existem vários canais (TV, jornais, revistas) todos com o mesmo conteúdo (tratado com mais ou menos sensacionalismo) que apresentam um ponto de vista, supostamente isento.
Bom trabalho, BicycleMark! 😀