Reencontros fortuitos

Ontem encontrei um colega do Secundário à porta da BMO, para onde ia trabalhar umas duas horitas. Não o via há imenso tempo, talvez já anos. Ficámos a falar em frente à biblioteca durante cerca de uma hora (!). Estivémos a conversar sobre os nossos cursos, os problemas, as frustrações, os percalços. Ele está no 5º ano, e ainda lhe falta mais um para acabar Medicina Dentária. Mais um no clube dos farto-de-andar-nisto-já-devia-estar-a-trabalhar-e-a-fazer-algo-de-útil. É um rapaz porreiro e dos colegas que melhores emocional fingerprints me deixaram. Pena que não mantenhamos contacto, ainda mais quando ele vive tão perto de mim.

Também ele diz que o pessoal anda todo à nora nos cursos. A arrastarem-se, a descobrirem a meio que aquilo não é pra eles, a stressarem com as escolas, as reformulações, as Bolonhas marteladas.

Veio reforçar a minha ideia anterior de que um dos nosso grandes problemas é a falta de acerto entre vocação de gosto, vocação de talento e curso/profissão. As pessoas escolhem os cursos à toa, não sabem o que as espera nos cursos, nem no dia-a-dia da profissão que escolheram, nem no mercado de trabalho. Escolhemos áreas de estudo (espartilhadas) muito cedo sem termos experiência de nada. Não fazemos mais nada que não seja ir à escola e ler os livros e quando temos o primeiro contacto com a realidade profissional mais à séria apanhamos um choque. “Afinal não gosto disto, ou não consigo fazer isto.” Isto é terrível para todos. Para as pessoas que andam à deriva e para o país que perde dinheiro e produtividade. Certificarmo-nos de que a maioria das pessoas está a estudar aquilo que melhor se adequa às suas capacidades, gostos e objectivos deveria ser um vector essencial nas reformas do ensino.

Maior flexibilidade nas disciplinas disponíveis no Secundário e na Universidade, maior incentivo às actividades extra-curriculares que permitam ver de perto realidades extra-escola (voluntariado, viagens, trabalho em part-time, cursos de formação, etc), permitir parar um ano entre o Secundário e a faculdade para experimentar e pensar,…

As pessoas pensam no curso a tirar baseando-se em factores irrelevantes para o resto da vida pós-curso. A faculdade não é um fim em si mesma mas um meio para alcançar determinado objectivo. Devíamos pensar primeiro “o que é que eu quero fazer no resto da minha vida?”. “Onde é que eu quero trabalhar (ao ar livre, num escritório,…), em que condições (patrão ou empregado, tipo de organização – hierárquica ou horizontal,…), o que me motiva, o que é mais importante para mim”? “O que quero fazer todos os dias do resto da minha vida?”

Depois disto tentar saber que profissões nos permitem tudo isto, e daí que formação preciso de obter para tal. Preciso de um curso superior ou não? Qual o grau de que necessito: bacharelato, licenciatura, mestrado, doutoramento? Que curso se adapta melhor àquilo que procuro?

A ideia que tenho é que fazemos tudo ao contrário. Escolhemos o curso e depois logo vemos o que fazemos depois. O alvo é o curso, e a faculdade. E assim se adiam as decisões, a responsabilidade, a vida. E talvez isso ajude a explicar as taxas de abandono escolar, de insucesso escolar, e de “arrastamento escolar”.

Eu fui para um curso científico porque gosto de saber o porquê das coisas. Gosto de ver documentários e perceber porque é que as pessoas ficam doentes, porque é que se curam, porque nos apaixonamos, porque é que ocorrem tremores de terra. Gosto de ler coisas que me expliquem como funciona o nosso cérebro, ou o que causa os relâmpagos e os arco-íris. Mas isto não significa que eu goste de fazer aquilo que fazem as pessoas que descobriram todas estas coisas. Na altura em que fiz as minhas escolhas não tinha experiência nem conhecimento para discernir entre estes dois conceitos.

Às vezes sinto que andamos todos meio à deriva.

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